quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O Corvo



Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, vagos curiosos tomos de ciências ancestrais, e já quase adormecia, ouvi o que parecia o som de alguém que batia levemente a meus umbrais. " Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais. É só isto, e nada mais."





Ah, que bem disso me lembro! Era no frio de dezembro e o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. Como eu queria a madrugada, toda a noite aos livros dada pra esqueçer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais





-Essa cujo o nome sabem as hostes celestiais, mas sem nome aqui jamais!





Como a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo: "É uma visita pedindo entrada em meus umbrais. É só isto, e nada mais."





E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,"Senhor", eu disse, "ou Senhora, de certo me descupais; Mas eu ía adormecendo, quando viestes batendo tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais.





Que mal ouvi... "E abri largos, franqueando-os, meus umbrais. Noite, noite e nada mais.



A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, dúbio e tais sonhos sonhando que as ninguém sonhou iguais. Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, e a única palavra dita foi um nome cheio de ais, eu disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais, isto só e nada mais.



Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo, não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais. Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. É o vento, e nada mais".






Poema de Edgar Allan Poe.



Tradução de Fernando Pessoa

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